Confissões de um cristão meio torto

Devo confessar que sinto uma certa ponta de inveja daqueles que
têm uma comunhão bastante próxima com Deus. Suas orações
apaixonadas, a expressão emocionada murmurando baixinho
palavras de amor, olhos fechados, mãos levantadas, uma lágrima
escorrendo pelo rosto. Sim, admiro quem depois de uma hora com o
Senhor abre os olhos, enxuga a face molhada, e apresenta uma
expressão serena de quem esteve aconchegado nos braços do Pai.


Olho para mim, e é só dificuldade. Como me é difícil manter a mente
centrada no Senhor. Os pensamentos vão ao céu e voltam à Terra
numa rapidez que não consigo controlar. Justo no momento que
quero só pensar em Deus e estabelecer uma conversa agradável,
pequenas cenas do dia entram abruptamente no caminho e elas me
afastam dAquele que deveria ser o centro de minha atenção. Quando
finalmente consigo firmar o pensamento nas coisas lá do Alto, uma
lembrança do que preciso fazer amanhã me vem à mente, e deixome levar pela preocupação que ela me traz.


No louvor esforço-me para estar diante da presença de Deus, de
adorá-lo em espírito e em verdade, mas confesso que muitas vezes o
louvor torna-se um simples cantar. Incomoda-me a letra fraquinha, o
som estridente da guitarra, o ritmo que não gosto, e depois quando
termina não tenho muita certeza se adorei ao Senhor.

Depois de uma mensagem abençoada, ajoelho-me ao altar e prometo
a partir daquele dia descansar no Senhor. Faço um pacto com Deus
para não mais me exasperar diante do imprevisto, não reclamar mais
das pequenas intempéries da vida, não me sentir ansioso diante do
desconhecido, e não pensar mal daquele irmão que insiste em não
gostar de mim. Vinte e quatro horas depois esqueço-me daquela
segurança sentida no dia anterior e vejo-me tentado a pensar mais
uma “vezinha só” nos problemas. E como uma vez só não me permite
resolvê-los, vou estendendo meus pensamentos e preocupações
durante o dia, até que me pego submergindo inteiramente dentro
deles.

Fico pensando quantas vezes recrimino os que são detentores de
vícios ou defeitos de caráter, mas quando olho para mim e observo
aquela pequenina, persistente e inocente “tentaçãozinha”, sinto-me
como um moderno fariseu pronto a colocar pesados fardos nas costas
alheias e vejo minha auto-imagem ser abalada.

Folheio livros de auto-ajuda cristã e todos ali são vencedores, não há
problemas que eles não vençam. Ouço o mais novo líder de ministério
em evidência (sempre surge um novo), e descubro que Deus lhe deu
todas as “dicas” para ser bem-sucedido no seu ministério, e eu aqui
no meu gabinete pastoral sentado à frente daquele irmão que chora,
às voltas com um problema que não vejo solução. E o que é pior,
Deus não me sopra nenhuma resposta para dar àquele sofredor.

Da mesma forma ouço alguns programas no rádio do carro, de
pastores curando, libertando, tirando o câncer, a asma, a bronquite e
a artrite de seu rebanho e eu sem saber o que dizer à Beatriz,
estendida na cama há 2 anos, sofrendo de uma dor ininterrupta em
suas costas, que a paralisa completamente.

Embora tenha consciência do peso dessas confissões nada alegres,
não me sinto desesperado, nem abandonado por Deus, nem
necessitando de uma nova unção. Estranhamente, há uma paz dentro
de mim, há algo me sustentando quando me resvalam os pés.
Estranhamente sinto que, de alguma forma, em algum lugar,
Deus me ama tanto que mesmo em meio às mais profundas decepções,
aparentes derrotas, e orações não atendidas, Ele está ali
pacientemente olhando para mim.

Minha tranqüilidade e confiança está em saber que não há nada que
possamos fazer para Deus nos amar mais e não há nada que
venhamos a fazer para que Deus nos ame menos.

Tenho aprendido a observar que Deus quer usar o vaso de barro que Ele fez. Deus não prescinde dessa argila torta, mas deseja ardentemente que o Seu tesouro preencha justamente esses falíveis e frágeis pecadores que somos nós. Jesus nunca rejeitou a Pedro por ser intempestivo, explosivo e temperamental. Deus não procurou outro profeta para colocar no lugar de Jeremias porque ele era claramente um depressivo que pedia a morte para si. Nem rejeitou a Ezequiel que parecia não bater bem da cabeça, nem a Jacó por ser mentiroso contumaz. O fato de muitas vezes agir como uma criança desastrada, mas querendo acertar, me leva a pensar que Deus também olha pra mim com a mesma compaixão e carinho que olho para o meu filho quando age desastradamente.

Decepcionado com Deus porque ele não me ouviu? João Batista teria
muito mais motivos que eu, jogado numa masmorra por sua
fidelidade a Deus. É verdade, que ele, assim como tantas vezes eu,
pode ter se sentido em dúvida, desamparado, abandonado, sozinho.
E daí? Ele também era um vaso de barro como nós. E Jesus não lhe
recrimina por isso, mas diz dele: “nunca houve homem como esse”.

Precisamos parar de achar que só os “vitoriosos” é de quem Deus se
agrada. Essa é uma lógica mundana, que adentrou os átrios da
igreja, e diante de alguma tragédia ou acidente na vida de um crente,
logo imagina-se o quão longe ele deveria estar de Deus para lhe suceder tamanhas vicissitudes.
Entristecido porque Deus não respondeu às minhas orações?
Meu ego ferido pela oração não respondida, é a porta que Deus usa para me
falar. Saibam que Deus fala muito mais através de um ego ferido que
pelas bênçãos acumuladas.

Preocupado por não sentir constantemente a presença de Deus? Não.
Vejo na Bíblia a promessa de que Deus estaria sempre ao meu lado e
não a promessa de que eu sentiria “sempre” a sua presença. Uma
coisa é a certeza da onipresença divina, outra coisa é a manifestação
dessa presença. Quanto maior a fragilidade da fé, maior a
necessidade que Ele revele Sua presença. Quanto mais sei da
fidelidade de Deus menos tentado fico a “exigir” que Ele se
manifeste.
Se você também tem muito a confessar de suas fraquezas, de seus
erros, de suas derrotas, de suas dificuldades em orar e adorar, não
hesite. Confesse-as ao Senhor. Ele quer ouvi-lo. E sossegue o seu
coração.

Confissões de
Daniel Rocha, pastor da Igreja Metodista em Itaberaba, S.Paulo e
Psicólogo

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  2. "Entristecido porque Deus não respondeu às minhas orações?
    Meu ego ferido pela oração não respondida, é a porta que Deus usa para me falar. Saibam que Deus fala muito mais através de um ego ferido que
    pelas bênçãos acumuladas. "
    Ameiii! Façoe delas minhas confissões.

    ResponderExcluir

Copyright © 2025/ OPM TESTE

Template by : Urangkurai / powered by :blogger